quarta-feira, 28 de março de 2012

PSICOLOGIA POSITIVA




Se se entende pelo termo Psicologia o estudo da natureza humana considerada nos seus apetites, nos seus afectos e nos seus pensamentos, pode-se decidir que a observação do homem pelo homem, tantas vezes tentada por ambiciosos literatos, nunca chegou além do que a experiência doméstica e a linguagem popular torna sensível a todos, e sobretudo às mulheres, que têm todas de governar um pequeno reino, e que dependem mais do que os homens das opiniões e dos afectos. Sobretudo, se esse conhecimento prático é esclarecido pela leitura ordinária dos melhores poetas, será sempre verdadeiro que a família, completada pelo círculo dos amigos e dos cooperantes, é o lugar de escolha em que a criança se exercitará a adivinhar e a prever as reacções dos seres humanos diante da surpresa, da injúria, da decepção, da contradição, do elogio, da censura, do desprezo, da miséria. E decerto, há mais verdade nesta sabedoria comum e proverbial, do que nas máximas misantrópicas, inspiradas quer pelo dogma teológico, quer pela crítica metafísica. Todavia, essa prática está ainda muito longe duma ciência verdadeira. As relações reais da acção, do sentimento, e da inteligência só são cientificamente observáveis na espécie, como já se notou a propósito da lógica real, que é também uma psicologia da inteligência. Que o espírito sociológico seja o único capaz de analisar correctamente a relação das hipóteses à experiência, é o que ensina já a série das seis ciências fundamentais, considerada como um primeiro esboço do progresso humano. Os três estados, como sem dúvida se compreendeu, vivificam este primeiro esboço, restabelecendo o sentimento no seu justo lugar, donde continuamente antecipa, pelo culto, as investigações ulteriores do entendimento. Não é preciso menos que o conjunto do progresso humano para revelar ao indivíduo o segredo da sua própria infância teológica e da sua adolescência metafísica. É por este método, ainda novo hoje, que o observador da natureza humana será liberto  das fantasias e das aberrações individuais que atraem a curiosidade e permitem também todas as hipóteses. Mas o erro mais natural, uma vez que todo o psicólogo com pretensões  científicas  era mais espectador do que actor, e mais inteligente do que afectuoso, é ter considerado que o motor humano é sempre a inteligência, que regula a partir das suas leis próprias os afectos e as acções. Donde, esse erro derivado, e de grande consequência, que aparece ao mesmo tempo que o espírito crítico ou metafísico, e que consiste em desconhecer a existência natural das inclinações altruístas, erro comum aos padres monoteístas, aos físicos laicos, aos empiristas, e aos cépticos. A ideia de que os cálculos do interesse pessoal levam  só por eles  a fazerem-se aliados, amigos e compatriotas não podia deixar de seduzir pensadores tão diferentes quanto à cultura, porque, faltando a todos as luzes da sociologia positiva, partiam sempre do indivíduo para compreender a sociedade. Donde uma ideologia misantrópica, que só a sociologia podia directamente corrigir, a existência individual aparecendo então como uma abstracção viciosa, pois que a vida social não é menos natural ao homem do que comer e dormir.

Esta primeira reforma do juízo era ainda apenas negativa. A observação da infância humana na história sociológica permite aperceber a fonte de todos esses sofismas metafísicos, que é tão-só um desconhecimento do passado humano. Primeiro a observação das religiões, sejam primitivas, sejam elaboradas, faz aparecer segundo a sua justa importância um género de pensamentos que a ordem exterior nunca verifica, análogas àquelas que se encontram no delírio, no sonho, na loucura, e que mostram que o espírito divaga naturalmente, em relação ao verdadeiro, sob o impulso do sentimento, sobretudo fortificado pelas necessidades sociais. Essas crenças não são de modo nenhum arbitrárias, pois que o espírito criança  tinha de se conduzir primeiro diante da natureza inumana, segundo uma analogia suposta entre as forças exteriores e o mundo humano, que é o primeiro conhecido, e, em todas as idades, a primeira fonte, pelo menos na aparência, de quase toda a nossa infelicidade. Mas a ligação por fim apreendida,  conforme a lei dos três estados, entre as ingénuas crenças e o desenvolvimento dos conhecimentos positivos, devia fazer entender que o sentimento é normalmente o primeiro motor da investigação em todos os sujeitos. Se não se sabe reconhecer a inteligência nas ficções monoteístas, politeístas, e mesmo fetichistas, tem de se renunciar a compreender a continuidade humana, e por consequência a conhecer-se a si mesmo. Digamos pois, em segundo lugar,  que essa história da nossa longa infância, se se sabe aceitar como ela é, dominando o orgulho metafísico, esclarece como é preciso o regime actual tal qual se encontra nos espíritos mais cultivados. Por que é preciso admitir que fora do conhecimento da ordem exterior segundo o método positivo ao qual o espírito se verga sem dificuldade desde que saiba, as opiniões de todos respeitando aos problemas mais difíceis e mais urgentes não tem por sustentáculo real quaisquer argumentos de advogado que aparecem nas discussões, mas sempre um sentimento que corresponde às relações da família, de cooperação ou de amizade. Esses sentimentos nunca são sem verdade, uma vez que traduzem necessidades sociais, e, por elas, necessidades cósmicas, mas evidentemente antes dum conhecimento positivo de uns e de outros.  Donde resulta uma vez mais que as crenças ingénuas são o verdadeiro esboço das noções mais elaboradas. Deve-se portanto reconhecer, em conclusão destas observações concordantes, que a inteligência recebe sempre os seus impulsos do sentimento como recebe as suas regras da acção. Donde se segue que uma inteligência liberta destes laços preciosos estaria condenada a uma divagação sem limites, e que enfim o entendimento só é seguro e capaz de corrigir a acção e o entendimento tanto quanto  se modelar, através da ciência real,  pela inflexível e imutável ordem exterior. “Agir por afecto e pensar para agir”, esta divisa positivista é para ultrapassar a orgulhosa insubordinação da inteligência, que caracteriza o espírito metafísico, mas estas condições são também aquelas que o espírito metafísico, de acordo com as intrigas académicas, que favorecem as especialidades, rejeita mais energicamente.

Depois deste preâmbulo, puramente sociológico, o pensador está em estado de desenhar, para si, um quadro das funções mentais relacionado ao seu órgão, que é o cérebro. Esta teoria cerebral, em que está exposta em detalhe a psicologia positiva, não deve ser menosprezada segundo a crítica cerrada que reduziu muito a ambiciosa doutrina das localizações cerebrais. Comte diz explicitamente que a biologia não está em condições de investigar a sede das diversas funções mentais, por falta duma doutrina sociológica que determine essas funções segundo a ordem da dignidade crescente e da energia decrescente. De resto, o nosso autor não esquece nunca que o conjunto do cérebro como a unidade do organismo inteiro, são a condição de todas. Bem compreendidas estas reservas, a série cerebral das funções mentais forma um plano de psicologia irrepreensível. Comte, esclarecido pelas relações de dependência que explicam a série, sentimento, acção, inteligência, de modo nenhum se enganou ligando o sentimento à parte posterior da massa cerebral, a acção à parte média situada no alto do crânio, e a inteligência à extremidade anterior que vem bater e encolher-se contra a fronte. As subdivisões, segundo o próprio princípio desta construção, que é sociológico, valem mais para as próprias funções do que para as partes que se supõe estarem com elas relacionadas, e cuja experiência biológica apenas dará um conhecimento imperfeito, sobretudo a respeito das operações superiores.

A afectividade divide-se segundo o egoísmo e o altruísmo; e o egoísmo é evidentemente o primeiro, seja quanto ao desenvolvimento, seja quanto à energia. Os instintos egoístas são o nutritivo, o sexual,  o maternal. Depois destes instintos conservadores colocam-se naturalmente os instintos de aperfeiçoamento, o primeiro militar, que diz respeito à destruição dos obstáculos, e o segundo industrial, que se manifesta pela construção dos meios. A transição do egoísmo ao altruísmo efectua-se pelo orgulho e a vaidade, dos quais é  muito preciso observar a ordem. Que a vaidade tenha naturalmente  menos energia do que o orgulho, mas mais do que a dignidade, é o que surpreenderá menos se se definir a vaidade pela necessidade de aprovação. A vaidade faz assim a passagem entre o egoísmo e o altruísmo. O altruísmo enfim, compreende os três graus da simpatia, afeição, veneração, bondade, que acabam a série dos afectos.

Quanto às funções intelectuais, é importante livrarmo-nos das vagas faculdades como atenção, memória, vontade. É preciso distinguir duas funções propriamente mentais, relativas uma à expressão e a outra à concepção, a expressão estando mais próxima da acção, portanto, primeira em energia, e segunda em dignidade. Quanto às funções mais altas, elas dividem-se, sempre segundo a mesma ordem, em contemplação e em meditação, a primeira compreendendo a observação dos seres, depois a dos factos, a segunda a indução e a dedução. Quanto à relação precisa de todas estas funções com qualquer parte seja lateral seja mediana do cérebro, é inútil aqui insistir. A psicologia positiva não está, como se pode ver, dependente dessas discussões, talvez sem fim, que não podem deixar de ser levantadas pelos anatomistas e os fisiologistas. Fora destas suposições, o quadro das funções, que acabo de resumir, não está exposto a graves críticas, e não comporta, parece-me, quaisquer rectificações importantes. Todas as pesquisas ulteriores da psicologia se lhe conformaram. De resto, a ingratidão em relação a Comte , que é o facto geral do nosso tempo, vem principalmente de que as suas doutrinas são daquelas que não se perdoaria ter alguma vez desconhecido.


Alain
(Tradução de José Ames)



terça-feira, 27 de março de 2012

O ESPÍRITO POSITIVO




O conjunto do sistema estando agora exposto, ficam por explicar mais amplamente, e conformemente a toda a experiência humana, as ideias capitais que devem reger a nossa reforma intelectual, política e moral. O espírito positivo é assaltado pelas paixões, e não pode ser de outra maneira,  sobretudo nas pesquisas que tocam directamente aos nossos interesses. Não é mais, finalmente, do que a ordem exterior que triunfa das paixões; mas a resposta das coisas às nossas exigências e às nossas esperanças não é sempre suficientemente clara para nos desencorajar das nossas quimeras. Todavia o homem não pôde deixar de reconhecer primeiro que as relações dos números e das grandezas, tão sensíveis nos trabalhos e no comércio, não se dobravam aos nossos desejos, e que a rigorosa previsão dos resultados valia mais aqui do que as nossas esperanças, mesmo quanto à felicidade mais vulgar. A primeira ideia da ordem inviolável, e a mais poderosa, resulta em todo o homem primeiramente da arte de contar e de medir. Esta experiência, embora indirecta, não é menos convincente. Donde vem a autoridade da matemática, em todos os tempos reconhecida. Trata-se então das relações mais abstractas, as mais simples, e também as mais usuais; por isso, as relações mais extensas, uma vez que não há objecto no mundo que não caia sob o  número e sob a medida. Eis por que o movimento indutivo, que recolhe procedimentos a partir de experiências constantes, é aqui quase sempre mascarado pelo aparelho e o sucesso das deduções que dizem respeito ao futuro, e sempre verificadas. Donde o espírito humano primeiro reconheceu que as suas próprias faltas, e sem desculpa, eram muito mais importantes, nesta ordem de conhecimentos, do que as surpresas da experiência. Assim a ideia de milagre pôde sempre ser apagada por uma revisão exacta do nosso trabalho intelectual. E foi aí que o nosso espírito formou a ideia do seu poder, e, num sentido, da sua inteira autonomia. Eis por que a matemática chegou prontamente à sua perfeição, quanto ao seu objecto próprio, que é sempre a medida indirecta. Donde um império indiscutível, e indiscutido, que faz deste primeiro conhecimento o modelo de todo o conhecimento positivo, e o preâmbulo de toda a cultura enciclopédica. Quanto ao preconceito dedutivo, que alimentou as fantasias de Pitágoras e mesmo de Platão, ele foi sempre mais útil do que prejudicial pelos efeitos; porque não é de temer que a natureza das coisas não nos corrija desde que um problema seja matematicamente colocado, quer dizer passível duma observação directa sem nenhuma ambiguidade. Foi certamente sob o império das matemáticas que a astronomia renunciou pouco a pouco aos preconceitos da astrolatria e da astrologia. Kepler, ainda místico nisso, procurava assiduamente alguma harmonia digna de Deus entre os elementos dos planetas; mas a forma numérica da questão não permitia qualquer resposta que fosse contrária às medidas; e o afastamento mesmo entre as medidas existentes e a célebre lei dos quadrados dos tempos proporcionais aos cubos dos grandes eixos, era ele próprio medido, o que orientava a pesquisa para os caminhos que Newton devia seguir. De resto, todo a fantasia sobre os astros se submete inevitavelmente a uma primeira descrição, toda matemática quanto aos seus instrumentos, esfera celeste, equador, meridiano, eclíptica. Comte, seguindo nisso uma ideia justa, e demasiado esquecida, nunca deixou, tanto quanto lhe foi possível, de ensinar a astronomia a um auditório de trabalhadores, desenhando assim o plano que as nossas Universidades Populares não souberam seguir. E todavia notar-se-á que a vulgarização das noções astronómicas não cessou, no  decurso da emancipação metafísica, de esclarecer utilmente o espírito público. É preciso dizer aqui isto, que, por uma preparação matemática insuficiente, se arrisca sempre a sacrificar a simples descrição ao que há de emocionante em certos factos raros e mal conhecidos. Os nossos vulgarizadores falarão mais depressa dos canais de Marte do que da órbita desse planeta e dos seus movimentos observáveis. Comte tinha previsto bem que a astronomia se arriscava a esquecer o seu destino em pesquisas menos directamente úteis à formação do espírito positivo. Estas páginas fazem escândalo aos olhos dos investigadores para quem toda a verdade é suposta útil e boa. Eles estão muito longe da disciplina positivista, que se  propõe sempre, como se observou, uma justa proporção entre os diversos conhecimentos, e uma orientação de todos para o principal, que deve mudar os nossos destinos. Existe um grande  contraste, e chocante, entre o que um espírito curioso pode saber das estrelas duplas, e as noções incoerentes às quais ele está muito vezes reduzido no que diz respeito às riquezas, aos direitos, aos deveres, e ao futuro humano. O espírito positivo reagiu energicamente contra a intemperança do saber, retomando a antiga ideia de Sócrates, de que no fundo é a moral que importa, mas prestando também a cada uma das ciências o culto, pode-se dizer, que lhe é devido. A verdadeira razão do saber não é uma vã curiosidade, que aliás se contenta frequentemente com pouco, nem mesmo uma preocupação com os progressos materiais, que muitas vezes só interessam as paixões inferiores; a verdadeira razão de saber é a própria sabedoria, e a organização dum futuro razoável para toda a nossa espécie.

Importa, porém, seguir essa grande ideia até às raízes. Porque não é de modo nenhum questão de substituir a desordem das paixões por uma ordem fundada unicamente na inteligência. Em todo o homem o conhecimento eficaz provém dum tumulto de sentimento que ele deve superar. Quer se trate do medo, da coragem, ou do amor, os primeiros movimentos são naturalmente convulsivos, e o conhecimento só tem primeiro valor tanto quanto imponha a esses  movimentos a regra mesma das coisas, quer dizer, tanto quanto os transforme em acções. Assim, não é somente a necessidade propriamente dita que, levando à acção, torna necessária a investigação. Um outro género de utilidade, profundamente sentido desde que as primeiras necessidades estejam satisfeitas, consiste numa disciplina do próprio sentimento; e tal é a recompensa do esforço mental. Um dos efeitos da física, e não dos menores, é de nos curar do pavor que produz naturalmente todo o fenómeno raro, como o eclipse ou o cometa. E isso estende-se a todos os nossos conhecimentos, e estamos muito longe de conceber o mundo incoerente das emoções de todo o género, tal qual ele foi antes da menor tentativa de explicação. A antiga magia, os oráculos, a pretensa ciência dos sonhos, os sacrifícios, as cerimónias, as festas, dão-nos disso alguma ideia.  Esses enérgicos remédios são o sinal indirecto dum estado mental, que verosimilmente volta em todos os géneros de loucura. Se se compreendeu bem que o saber positivo saiu, por um longo progresso, das antigas doutrinas teológicas, compreender-se-á então como, no indivíduo tanto como na espécie, um conhecimento real corresponda sempre a um primeiro impulso, primeiro de sentimento, e manifestado por actos instintivos  que a natureza das coisas corrigia primeiramente, mas ainda melhor manifestado pela menor previsão. Está pois fora de dúvida que a ciência se enxerta e vive sobre um sentimento vivo e forte, que ela transforma sem nunca abolir. Comte ousou dizer, o que cada um reconhecerá sem vergonha, que o puro amor da verdade é ao mesmo tempo muito eminente e muito fraco, e que a própria ambição não é aqui uma garantia que baste. E o amor por outrem se não fosse ele mesmo purificado por uma reflexão suficiente, seria ainda demasiado fraco para determinar os primeiros passos do espírito. Dizer que toda a concepção foi de início teológica, e é-o também na criança, é dizer que é preciso reencontrar, no começo do saber,  algum sentimento ao qual o saber responda; e é o que a comum linguagem exprime, porque sentimento diz mais do que opinião, e mais do que parecer, e mais do que doutrina quando o homem quer seriamente aconselhar ou julgar. É pois por um retorno ao sério do espírito que o sábio dos novos tempos aprecia sem indulgência as investigações que não têm directamente por fim um progresso de íntima civilização. De resto, é claro para todos que o progresso dos conhecimentos, quanto à extensão e à variedade, não pode sustentar a esperança humana, atendendo a que nós estaremos sempre infinitamente afastados de saber tudo o que um espírito curioso quereria agarrar; e seria louco contar com que o milagre duma descoberta intelectual pudesse avançar dum golpe a solução do problema humano. Por exemplo, a explicação de alguns milagres basta para os eliminar a todos;  e o bom uso do saber faz-nos mais falta do que próprio saber. É o que significa uma educação de espírito sempre enciclopédica, quer dizer, sempre visando o equilíbrio interior. Considerada sob este aspecto, a ciência não pode iludir a esperança.

Esta segurança positiva, evidentemente compatível com uma modéstia do espírito, por de mais bem fundada, difere completamente da curiosidade vã que se dirige às novidades. A lei dos três estados significa que não há novidades, mesmo no saber, e que o espírito  tem somente por papel responder às questões que a antiga teologia colocava ingenuamente. Nesse sentido, a idade metafísica, que destrói sem fundar, e a que é preciso chamar de negativa, deve ser considerada, segundo a expressão do nosso filósofo, como uma longa insurreição do espírito contra o coração. E este género de conhecimento, demasiado comum entre os especialistas que apenas sabem refutar os seus predecessores, conduz naturalmente à declamação céptica, por um  hábito de misantropia que é só um conhecimento do passado humano. Apreende-se talvez agora que o espírito de conjunto está mais fundado num melhor conhecimento das verdadeiras necessidades do homem do que num sistema do mundo que será sempre miseravelmente incompleto.

Concebe-se sem dúvida presentemente o que é o espírito sociológico, e que a sociologia não é uma ciência nova que apenas se acrescente às antigas, mas antes uma disciplina de reflexão que as domina a todas; e esta concepção, que se conta entre as partes menos compreendidas e as menos aceites do positivismo, permite mesmo regular, pelo espírito sociológico, o que se deverá chamar a intemperança sociológica. A sociologia é essencialmente uma filosofia, que nunca deve deixar de equilibrar a cultura científica, de a preparar pela educação dos sentimentos e pelo culto das artes, nem de religar, o que é a mesma coisa, o presente e o futuro a partir da contemplação do conjunto do passado humano. Este género de síntese, já tentado, mas prematuramente, por Bossuet, Montesquieu, Condorcet, foi amplamente realizado pelo nosso autor nas suas admiráveis lições de Dinâmica Social, que todavia não são plenamente esclarecidas a não ser pelo sistema de Estática Social que se encontrará no Curso de Política positiva. Confunde-se demasiado depressa o espírito positivo e a crítica negativa que marca demasiadas vezes o preconceito científico. Mas as próprias palavras corrigem esse juízo. Positivo opõe-se a negativo; e o espírito positivo retoma e desenvolve, com vista ao futuro,  todo o tesouro da religião, dos costumes, e das artes, por uma consideração sempre mais escrupulosa do sistema inteiro das ciências, enfim completado pelo esboço, e mais do que esboço duma sociologia positiva. É de desejar que esta atitude de espírito, sempre fundada na experiência interpretada segundo o rigor, seja melhor compreendida e mais imitada pelas jovens gerações, legitimamente preocupadas em ligar o progresso à tradição, e de legitimar, sobretudo por ideias de início estritamente biológicas, tal como se explicará, todas as antecipações e as pretensões do coração.  Fora do sistema de que dei uma ideia, e sem o fio condutor das duas preciosas séries, uma mais epistemológica, e a outra directamente sociológica, a ciência está condenada a errar entre as aplicações mercantis e a sofística. A nossa época esclarece o pensamento de Comte, e verifica-o duma maneira retumbante, pelas próprias surpresas da nossa desordem, tanto moral quanto intelectual.


Alain
(Tradução de José Ames)


segunda-feira, 26 de março de 2012

A LEI SOCIOLÓGICA DOS TRÊS ESTADOS




A ideia de que as ciências mais avançadas, que são naturalmente as mais abstractas e as mais fáceis, são também apenas um encaminhamento para as outras, e que, assim, a última e a mais complexa é também a mais eminente, esta ideia é colocada enfim sob a sua verdadeira luz por este comentário decisivo de que todas as ciências são factos sociológicos. Só há factos sociológicos, uma vez que no menor teorema o homem está  inteiro, e toda a sociedade, e todas as pressões do mundo. Mas as ciências abstractas, como a palavra o diz tão bem, separam e isolam o seu objecto, sem o que elas se perderiam nesse pensamento prematuro de que geometria é o fruto duma época, duma civilização, dum regime de trabalho, e  mesmo dum clima.  O que conduziria a esta conclusão, frequentemente fraca  por precipitação,  que o homem só tem os pensamentos que pode ter pela sua situação histórica, pelos trabalhos dos seus predecessores, por um certo espírito reinante que depende do comércio, das fortunas, das guerras, dos lazeres, dos arquivos, e da linguagem. É o que é, no entanto, verdadeiro, mas verdadeiro no seu lugar, e sob a condição dum desenvolvimento progressivo que faz com que o espírito seja capaz de julgar isso sem cair num absurdo fatalismo e no cepticismo negador. Aqui a tirania da sociologia, não menos temível do que a tirania das ideias abstractas, é abolida pela força mesma que toma a última das ciências e a mais alta, naquele que conhece bastante profundamente todas as outras. E este justo equilíbrio entre todos os graus do saber é o espírito de conjunto, em que a história esclarece a razão pelo facto da razão ter em primeiro lugar corrigido a história. Feita esta reserva, entreguemo-nos audazmente à ideia sociológica.

É suficientemente claro que toda a ciência depende da linguagem comum, dos livros, dos arquivos, do ensino, dos institutos, dos instrumentos de observação e de medida; mas compreende-se também que estas condições não podem ser separadas dum estado da legislação, duma organização política, duma continuidade social, dum progresso da indústria, dum regime do comércio e dos trabalhos.  Os arquivos dos Chineses e dos Egípcios dependiam dum certo estado da religião, das artes, e dos costumes. E isso é verdadeiro de toda a época e de todos os países, embora muitas vezes, por uma ingratidão que se explica, o pensador esqueça esses contínuos e humildes serviços fora dos quais ele nada poderia. A linguagem comum exprime e conserva um pensamento comum que faz de princípio e sempre o apoio das especulações mais ousadas. O vocabulário e a sintaxe são os arquivos essenciais. Mas quantos outros monumentos sustentam o espírito! O indivíduo, seja ele Descartes, Leibniz, ou Newton, não faz mais do que continuar um lento progresso dos conhecimentos, em que milhares de predecessores, conhecidos ou desconhecidos, têm uma parte. E o próprio conhecimento não seria o que é sem uma marcha geral das sociedades que rompe as castas, muda o regime familiar, assegura os direitos e a segurança, sempre em relação com as descobertas técnicas. Comte pergunta por que Hiparco não descobriu as leis de Kepler. Não se pode compreender isso pela inteligência separada. Mas Hiparco não tinha cronómetro suficiente; um tal instrumento supõe o operário e o engenheiro. A imprensa, como se sabe, não oferecia grandes dificuldades técnicas; mas esta invenção, cujos efeitos não têm necessidade de ser assinalados, supunha ela própria um certo  despertar crítico, portanto, condições de política, de religião, de comércio, de guerra e de paz. Uma vez que é preciso encurtar, digamos que é a sociedade que pensa. Mas digamos melhor.  Uma vez que o progresso dos conhecimentos sobreviveu a tantas sociedades, digamos que é a humanidade que pensa. Assim, no desenvolvimento sucessivo das diversas ciências segundo a sua complexidade crescente, haverá outra coisa que não uma lei de lógica; e trata-se de reencontrar a lei sociológica desse progresso capital, o que logo descobre relações completamente desconhecidas até aí entre o inferior e o superior, contrariamente a essa ideia anárquica de que cada ciência é absolutamente autónoma, por si mesma suficiente, e ocupa o lugar da sabedoria para aquele que a sabe. As raízes da ciência estão escondidas, ao ponto de fazer repudiar, como que por sistema, a nossa longa infância e a longa infância da nossa espécie.

Consideremos agora em que é que as noções científicas participam nessas ideias e nesses sentimentos, tão poderosos quanto confusos, que conduziram por muito tempo as sociedades, e aos quais nenhum pensador se pode vangloriar de ser estranho. Trata-se de preconceitos, de costumes, de superstições, de loucas crenças, que quereriam separar do espírito, mas que é pelo contrário preciso tomar como antecipações naturais, formando um estado nascente de toda a ciência. E decerto parece de princípio absurdo que os trabalhos da astronomia nunca tenham contado com as paixões do príncipe, e até que eles lhe devam alguma coisa. Mas a astrologia logo nos esclarece sobre isso. Porque, por um lado, o estudo dos astros não teria sido suficientemente  nutrido pelo puro amor da verdade, sentimento tão fraco quanto é eminente. Mas por outro lado, o esforço de predizer a partir duma sumária e quimérica ideia da relação entre os astros e os nossos destinos, conduzia naturalmente a observações seguidas e mesmo a cálculos, da mesma maneira que a observação ritual dos pássaros e o culto dos animais sagrados devia dirigir a atenção mais escrupulosa para as menores diferenças de forma, que não se teriam notado, nem sobretudo conservado na memória, sem os poderosos motivos da política e da religião. Uma vez mais é preciso dizer que a passagem insensível da superstição à ciência é apenas observável na história da nossa espécie. O indivíduo dura demasiado pouco para notar em si mesmo essas grandes mudanças.

Esta história das ciências não é igualmente conhecida, sob este aspecto, em todas as suas partes. Pode-se prever que a ciência mais abstracta, que chegou antes das outras ao estado positivo, não traga as marcas da antiga superstição donde  saiu. Todavia, no tempo de Pitágoras e de Platão, os matemáticos não tinham ainda rejeitado a tradição dos números sagrados, o que permite supor um tempo em que as afinidades e propriedades dos números sagrados foram observadas como milagres. E aqui ainda era inevitável que a superstição ligada a certos números levasse a conhecê-los melhor. Vemos também que no tempo de Aristóteles, as propriedades dos astros, as constâncias do seu retorno, e até o círculo, figura perfeita, única que devia convir ao seu movimento, eram ainda explicados pela natureza incorruptível e divina que se supunha nos corpos celestes. Este género de teologia comprometia-se nos caminhos da ciência positiva. Todavia, esta relação teria alguma coisa de fortuito se se tivesse limitado à consideração das ciências que foram de há muito libertas de teologia. Mas, se pelo contrário, vamos às ciências mais difíceis, estamos em medida de constatar como um facto do que chamaremos o estado teológico de toda a pesquisa. O uso que a biologia fez por tanto tempo das causas finais é teológico, se se pensar bem nisso; teológico enquanto  se explica o arranjo dos órgãos e a fixidez das espécies pelos desígnios dum criador. Na sequência, e tanto quanto ela utiliza um misterioso instinto, ou um arquitecto imanente aos tecidos, ou uma força vital definida pelos efeitos que se trata de explicar, sem que a experiência aí encontre algo que agarrar, dir-se-á justamente da biologia que  é metafísica; e enfim, a partir da recusa de todas estas causas, e da única pesquisa das relações primeiro físico-químicas entre o vivo e o meio, se definirá a biologia positiva. E, por exemplo, podemos agora discernir em Lamarck qualquer coisa de metafísico que já não está em Darwin. É assim que uma ciência se liberta das suas fraldas. Mas é importante perceber também que os começos da atenção estiveram naturalmente, aqui como noutros lados, ligados ao culto, e que a própria ideia duma lei depende duma crença prática numa sabedoria escondida e invariável, mesmo no  mais grosseiro fetichismo.  E, como o culto dos astros levou a  observar o seu retorno, também os auspícios foram naturalmente observadores de aves, e conservadores de formas e de arquivos. E não se deixará de notar que as sociedades animais não têm qualquer arquivo nem culto, o que leva a considerar a religião e mesmo a arte plástica como o começo da ciência organizada. E esta mesma ideia conduz a definir a sociologia pela comemoração e a história sagrada. Donde o nosso autor tirou esta advertência, ainda mal compreendida, que as pretensas sociedades animais não são realmente sociedades.

Chegando enfim à própria sociologia, constatamos facilmente que, conformemente à série das seis ciências, ela é de todas as ciências aquela que conservou mais tempo as marcas dum primeiro estado, que é teológico.  E, coisa digna de nota, por isto que o estado social é o que regula  e ao mesmo tempo retarda e assegura toda a pesquisa, o estado teológico da sociologia, ou digamos a política, é a sequência dum estado teocrático da própria sociedade. A Política tirada das Santas Escrituras é um monumento que testemunha aqui pelo seu título mesmo, como também o Discurso sobre a história universal, do mesmo autor, é uma admirável prova do socorro que é trazido por hipóteses puramente teológicas a uma primeira tentativa de observação dos factos sociais e a uma primeira visão das suas leis. E a série dos três estados, de princípio esclarecida pela biologia, torna-se para o sociólogo um instrumento de investigação. Porque ele devia pesquisar, na sequência da história, uma mudança da teologia em metafísica, que teria regulado a partir de abstracções sem corpo, ao mesmo tempo um estado de sociedade e as pesquisas teóricas que com ele se relacionam. E a Revolução Francesa encontrou-se assim definida, a partir das antecipações metafísicas da Igreja Reformada, a partir duma doutrina dos direitos absolutos, naturalmente junta à ideia oca do Ser Supremo. Assim, como a sabedoria divina, em Descartes, quer ditar as leis do movimento, o que conduz a colocar à natureza questões precisas, assim a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade devem ser tomadas como deuses abstractos, ou se se quiser, como decretos absolutos, segundo os quais, e porque se pretendia submeter-lhes a experiência, se produziram as retumbantes lições de política positiva que presentemente nos instruem. E, na ciência mais complexa, do mesmo modo que nas outras, se acabará por depor as hipóteses metafísicas auxiliares que na verdade são apenas referências, como foi o círculo para os astros. E sem dúvida nós estamos no expediente dos epiciclos, que traz, em política como na astronomia, uma marca de religião. Sem estas simplificações audazes, tão evidentemente antropocêntricas, não se concebe como o investigador poderia reconhecer-se nos seus erros, e discernir na observação o que é dele e o que é da coisa. Em conclusão, o nosso filósofo gaba-se, e não sem razão, de ter sido o primeiro a tentar libertar a sociologia dos seus andaimes metafísicos, e de assim ter feito aparecer os primeiros delineamentos da sociologia  positiva. Quer o queiramos quer não,  desenvolvemos essa rica herança.

Ousemos agora traçar o imenso quadro do progresso humano. O estado teológico, subdividido ele próprio em Fetichismo, Politeísmo, Monoteísmo, define ao mesmo tempo o mais antigo dos regimes sociais, a Teocracia inicial, e os mais antigos dos regimes intelectuais, onde se discernirá um avanço bem notável, desde os sistemas fechados do fetichismo até à vasta concepção duma Providência imutável nos seus desígnios, passando por essa classificação das forças naturais que o politeísmo greco-romano realizou por um transporte da ordem política para a ordem cósmica. E estas observações têm por efeito abolir a estéril oposição, tantas vezes comentada, entre a superstição e a ciência, a superstição sendo apenas, a ver bem, e de início nos melhores espíritos, um primeiro inventário, cada vez mais sistemático, das necessidades exteriores às quais estamos submetidos. A passagem da astrolatria à astronomia marca esse longo reino dos adivinhos e dos sacerdotes. O regime das castas corresponde-lhe naturalmente, pela predominância, apenas sofrida, das relações biológicas, que a sociologia descobrirá em seguida como formando o primeiro assento de toda a sociedade. Esse regime, que cobre absolutamente o domínio da antiga história, está já em decomposição, nos tempos da Grécia e de Roma, pela predominância do poder militar sobre o antigo poder sacerdotal, e pelo desenvolvimento, sobretudo em Roma, do regime militar conquistador. Resumindo este imenso assunto, retiram-se-lhe as provas, que se encontrarão em Comte, com as marcas duma espantosa erudição e também duma arte admirável de adivinhar, que os trabalhos ulteriores confirmaram, e nos quais se poderiam ainda inspirar, se a ingratidão fosse melhor reconhecida como o principal defeito do espírito.

Por falta de explicações suficientes, que as amplas lições de Comte fornecerão, aliás, ao leitor, bastará admirar como o desenvolvimento do monoteísmo, primeiro efeito do espírito metafísico já liberto, corresponde a um regime militar defensivo, que desenvolve os costumes correspondentes, e uma tentativa de organização de todo o Ocidente, sob um poder espiritual desenhado por antecipação, e enfraquecido somente por dogmas inverificáveis próprios dum regime de discussão crítica. Discernir-se-á então, nessa pretensa noite da Idade Média, um despertar do espírito e um maravilhoso esforço de cultura, directamente oposto à tirania militar, e ainda mais ao regime das castas, a Igreja católica tendo-se libertado da hereditariedade biológica, e tendo aberto a sua hierarquia a todos os méritos, como ela ensinava indistintamente a todos o que sabia de melhor, que infelizmente não podia, por falta de provas positivas, ser ensinado senão através duma servidão íntima do espírito. Esta reabilitação da Idade Média, mesmo sob o aspecto do progresso espiritual, é uma das descobertas de Comte; e é também uma das partes da sua doutrina que o entregou às suspeitas dos partidos opostos, uns não podendo admitir que se julgasse a religião como um facto humano, ao mesmo título que a arte e a indústria; os outros não podendo compreender que se relevasse a superstição até ao nível dos mais altos e mais fecundos pensamentos da nossa espécie. Estamos mais maduros, espero-o, por esse grande juízo e por essa humana reconciliação.

O espírito metafísico, essencialmente crítico e negador,  não cessou nunca de ser o fermento do progresso intelectual, mesmo nas idades recuadas do politeísmo e da magia fetichista. Encontrar-se-á disso a maior expressão na famosa Ética de Spinoza; mas, nesta mesma obra, se aperceberá também os limites, por uma espécie de delírio de abstracção, que submete o real à dedução pura; e a própria política desse autor, já revolucionária por um admirável avanço, permite compreender como o individualismo negativo, e a reivindicação dos direitos, se acordam com o que se poderia chamar o direito divino do filósofo, derivado evidentemente do direito divino dos reis, por uma enérgica antecipação do reino do entendimento. Ao mesmo tempo, pois, que este espírito, menos rigoroso então e mais popular, arruína, no decurso do século negador, os restos do edifício teocrático, nota-se que as ciências se desenvolvem segundo o seu nível, do estado metafísico e mesmo teológico, até ao estado positivo, ao qual chegam irrevogavelmente a matemática e a astronomia, arrastando já no seu movimento a física e até a química. Todavia a física devia conservar ainda por muito tempo os traços do regime metafísico, pelas suas hipóteses inverificáveis, e no fundo puramente verbais, de que o éter é um perfeito exemplo.

O regime positivo mal se instala nos nossos costumes políticos. Comte tinha esperado, conforme o impulso que comunicou a tantos discípulos, que a passagem da metafísica revolucionária à verdadeira física social poderia ser muito encurtada. Na realidade, a nossa época mostra tacteamentos e aparentes retornos, em que se discernirá, no entanto, um descrédito das construções socialistas, evidentemente metafísicas, e uma investigação política fundada primeiramente sobre as necessidades económicas, quer dizer, biológicas, o que é um sadio método. Julgar-se-á utilmente da sociologia mais recente perguntando-se se ela está suficientemente de acordo com o espírito de conjunto, tão fácil de apreciar em Comte, mesmo segundo este simples resumo. A grande lei dos três estados não foi decerto suficientemente apreciada como ideia directriz, e de justiça, a respeito das populações atrasadas, cujos pensamentos são muitas vezes desconhecidos segundo um preconceito escolar, ou, para chamá-lo pelo verdadeiro nome, metafísico.  Mas sem decidir do que é ainda tão disputado, pode-se, a partir do modelo das ciências mais avançadas, caracterizar o bastante o estado positivo. Primeiro, por esse espírito de conjunto, que liga ao presente mesmo o passado mais longínquo; e, mais precisamente, pela organização da experiência, à qual são a partir de agora submetidas, pelo menos por um consentimento abstracto, todas as nossas concepções, em qualquer ordem que seja; e, enfim, por uma recusa de procurar a partir de agora as causas, que sempre trazem a marca metafísica e mesmo teológica, e pela única investigação das leis, ou relações constantes, entre todos os fenómenos, segundo os modelos matemáticos, astronómicos e físicos, e que disso dão a partir de agora  uma ideia suficientemente precisa, desde que nos separemos completamente da tirania dedutiva, que tende ainda a reduzir demasiado o concreto ao abstracto. Mas sobretudo, em correlação com esta severa disciplina, que não pode ser mais recusada, o espírito positivo, tão bem nomeado por Comte, é construtor e não somente negador, e propõe-se, segundo o exemplo da física, imprimir à realidade social variações, pequenas mas suficientes, em aplicação da máxima de Bacon, de ordenar à natureza obedecendo-lhe, e segundo uma enérgica negação da ideia fatalista, que é metafísica e, no fundo, teológica.


Alain
(Tradução de José Ames)

sexta-feira, 23 de março de 2012

O SISTEMA DAS CIÊNCIAS




O espírito sem objecto divaga. Por isso é preciso meditar não tanto sobre os métodos como sobre as próprias ciências; porque o espírito eficaz é o espírito actuante na ciência, e por uma espécie de experiência humana continuada. A ciência é a ferramenta e a armadura do espírito; e o espírito encontrará o seu destino e a sua salvação, se pode encontrá-los, não voltando a si mesmo  confuso e confundível, perseguição duma sombra, mas sempre procurando o objecto e nele se apoiando. Todavia o poder industrial que dá a ciência só deve figurar aqui a título de prova indirecta; porque acontece muitas vezes, segundo uma frase célebre, que o sábio pode mais do que o que sabe. E, pelo contrário, as partes das ciências mais instrutivas, para esse outro poder sobre si que aqui buscamos, são aquelas cujas conquistas, desde há muito asseguradas, já não atordoam; o que deixa perceber que os conhecimentos tornados escolares, e que são familiares ao homem médio, bastarão ao leitor atento. Não que Comte não se tenha mostrado muitas vezes profundamente iniciado nas pesquisas mais difíceis, como estava, e bom de ler ainda hoje para o matemático mais ousado e para o físico mais engenhoso. Essas partes de alta dificuldade assinalá-las-ei conforme o respeito, mas renuncio à partida a propor a doutrina por esse lado. Porque me apercebo dum género de dificuldade que é preciso primeiro vencer, e que está ligado às partes fáceis e evidentes, que facilmente se crê compreender. Em todo o autor de monta, as partes fáceis são demasiadas vezes desprezadas, e assim a escalada até aos cimos não se encontra preparada, contemplando-se então de muito longe. De resto, quanto à eficácia para a política real e para os costumes de amanhã, as partes fáceis são as que importam mais. E pudesse eu tornar essas velhas coisas difíceis e novas, ao ponto de alguém se surpreender por achar irrefutáveis conclusões cem vezes refutadas. Ora é o que se obtém não pela prova, que é muitas vezes apenas uma refutação da refutação, mas pela própria exposição, e sem nenhuma astúcia de polémica.

Nada caracteriza melhor o Espírito positivo do que essa cultura, coisa completamente nova, pela ciência real e enciclopédica. Mas também essa cultura supõe uma visão de conjunto, que alguns se comprazem em dizer impossível, mas que é pelo contrário fácil pela revisão dos conhecimentos incontestáveis. Em lugar do que os corpos académicos, vivendo cada um segundo a sua especialidade, se encontram completamente afastados da sabedoria que está no entanto ao alcance das suas mãos, e caem pelo contrário, como Comte o tinha visto e previsto, em pesquisas subtis e ociosas, e finalmente em divagações cépticas, como acontece com os matemáticos, os médicos, os historiadores. E porque esta falsa elegância é uma coisa demasiado familiar ao público, a ideia dum conjunto de conhecimentos adquiridos, reguladores,  eficazes para a polícia do espírito, é daquelas que é preciso apresentar desde o começo, como se se falasse a ignorantes. Porque como acreditar, antes de um exame amplo e atento, que as nossas ciências, tão evidentemente insuficientes quanto ao imenso objecto, sejam pelo contrário amplamente suficientes quanto à disciplina do sujeito?

A matemática foi originariamente, e é ainda, numa boa parte, uma física dos números, das formas e das grandezas. Mas, pela necessidade das medidas indirectas, segundo a nossa aptidão para medir sobretudo ângulos, o cálculo amplificou-se até se tornar uma ciência das ligações mensuráveis; e a partir daí o domínio das matemáticas estende-se tão longe quanto o nosso próprio conhecimento. Por estas razões, enganámo-nos durante muito tempo e enganamo-nos ainda, até ao ponto de tomar a ciência mais abstracta pela mais relevante e eminente. Na realidade é a mais fácil de todas, pois que em cada ciência dificuldades novas se acrescentam àquelas que são próprias do cálculo. Por isso mesmo é preciso considerar o estudo das Matemáticas como a indispensável preparação ao espírito de pesquisa, e exactamente a todos os géneros de observação. Não há pesquisa, mesmo histórica,  na qual o problema do Onde e do Quando não suponham uma iniciação matemática. A partir destes exemplos compreender-se-á, em contrapartida, que o imenso domínio das ligações e combinações somente possíveis abre um campo ilimitado às pesquisas ociosas. A matemática encontra o seu sentido nas ciências mais complexas que dependem dela; e assim se mostra o começo duma série de ciências, ordenadas segundo marcha cartesiana do simples ao complexo e do abstracto ao concreto. A matemática ela mesma forneceu o modelo irrepreensível das séries plenas e bem ordenadas.  O nosso filósofo foi um dos raros homens que pensou por séries, aplicando assim a nova lógica, bem diferente do antigo silogismo. Encontraremos na sequência exemplos da aplicação deste método a problemas muito difíceis. Mas a série das seis ciências fundamentais é uma das que fornecem desde já a ocasião duma reflexão regulada, cujos desenvolvimentos estão muito longe de estarem esgotados.

A relação da matemática à astronomia não está de modo nenhum escondida. Que se considerem os meios do cálculo, ou apenas os instrumentos, percebemos facilmente que as mesmas descrições preliminares que dão a conhecer o céu supõem já os rudimentos da geometria e do cálculo. Que a astronomia encontre o seu lugar logo a seguir à Matemática, e que ela seja a sua aplicação mais fácil, formando assim a  passagem à ciência da natureza, é o que resulta ao mesmo tempo do afastamento dos objectos astronómicos, que simplifica os dados, e do facto dos acontecimentos astronómicos se encontrarem subtraídos à nossa acção. A astronomia devia ser, pelas suas causas,  e foi realmente, a iniciadora de toda a física real, pela pronta eliminação das causas ocultas e a aparição, desde as primeiras pesquisas, de leis invariáveis. Que a física seja como que a filha da astronomia, é o que a história das hipóteses permite compreender até ao detalhe. E que a física seja ela própria mais abstracta do que a química, ninguém o contestará; o simples exemplo da balança, que foi o primeiro instrumento da química positiva, leva a pensar que o estudo das relações como peso, calor, electricidade, entre os corpos terrestres, precedia naturalmente uma investigação concernindo à sua estrutura íntima, e às suas estáveis combinações. A história da energia, noção preparada pela mecânica celeste e desenvolvida pela física, até fornecer a primeira ideia positiva sobre a lei das mudanças químicas, justifica amplamente a ordem das quatro primeiras ciências. E quaisquer que sejam os retornos pelos quais as descobertas químicas ou físicas possam reagir sobre a astronomia e sobre a própria matemática, provocando novas pesquisas, essas relações secundárias não devem de modo nenhum mascarar aos olhos do filósofo o principal trabalho do espírito, necessariamente conduzido do mais fácil ao mais difícil. A ordem enciclopédica mostra-se. Falta prosseguir e acabar a série, trabalho que se fez na história, mas de que a reflexão nem sempre se apercebeu.

A biologia, ou ciência da vida, oferece evidentemente dificuldades superiores, uma vez que os vivos, qualquer que possa ser a sua lei própria, são necessariamente submetidos às lei químicas, físicas, astronómicas, e mesmo matemáticas. A história faz ver, e a lógica real faz compreender que os problemas biológicos não podiam ser convenientemente colocados senão depois duma preparação química que supunha ela própria as disciplinas precedentes. Todavia, na sequência do imenso interesse, seja por curiosidade, seja por utilidade, que estava ligado a este género de pesquisas, um imenso esforço foi feito, desde os tempos mais antigos, para descrever e tentar prever, quanto às espécies, às filiações, e quanto ao resultado das doenças e ao efeito dos remédios. Não é menos notável que esse grande esforço dos naturalistas e dos médicos não tenha tido outros resultados, durante longos séculos,  além de descobrir procedimentos empíricos, decerto não negligenciáveis, mas sem nenhuma luz para o espírito. O uso do termómetro na observação médica é um exemplo entre mil da dependência em que se encontra a biologia em relação às ciências precedentes. De qualquer modo, é preciso concluir que as noções físicas e químicas previamente elaboradas foram os reais instrumentos da biologia positiva. Esses artigos de filosofia são hoje bem conhecidos; mas importa  estar bem seguro deles por um retorno sobre os inumeráveis exemplos. Porque a sequência e o fim da série das ciências reserva ainda muitas surpresas.

A sociologia, nomeada por Comte, e podemos mesmo dizer inventada por ele, como acabando a série das seis ciências fundamentais, é tão antiga quanto os homens. Mas o desejo de saber não basta para nada. A história e a política pareceram andar à volta entre as obscuridades e as contradições que se julgarão inevitáveis, se se compreender que os factos sociológicos são os mais complexos de todos. A sociedade, qualquer que seja a sua estrutura própria, é necessariamente submetida às leis da vida, e, por elas, a todas as outras. Por exemplo, o problema da alimentação domina toda a política, e mesmo toda a moral. Os trabalhos são biológicos, químicos, físicos, e mesmo astronómicos; assim, o problema social do trabalho não pode ser abordado utilmente  sem a preparação enciclopédica. O problema da família é primeiramente biológico. Por exemplo, o regime das castas, em que a hereditariedade regula os níveis e as funções, deve ser primeiro compreendido como uma espécie de tirania da biologia sobre a sociologia. Mas era apenas uma prática sem qualquer reflexão. Assim, em todas as ordens de pesquisa, as condições inferiores, que não são tudo, mas que não se podem deixar de sofrer, permaneciam desconhecidas aos puros literatos a quem competia a função de escrever a história; e os nossos programas de estudos consagram ainda essa separação entre as ciências positivas e as considerações de utilidade ou de dignidade ou de partido que se reporta impropriamente à filosofia da história.

É preciso considerar como uma das mais importantes descobertas de Comte a ideia de ligar a ciência das sociedades bem ordenadas segundo a ordem de complexidade crescente. A sociologia é a mais complexa das ciências; ela supõe uma preparação biológica, química, física e  mesmo astronómica. E como as primeiras tentativas verdadeiramente eficazes da biologia resultaram  do preconceito químico, do mesmo modo se deve dizer que as primeiras luzes reais nas pesquisas sociológicas vieram e  virão do preconceito biológico, como as célebres antecipações de Montesquieu o deixam adivinhar.  E reconhece-se aqui facilmente a ideia marxista, tão celebrada depois, que evidentemente nada deve a Comte, mas que está no entanto em Comte.  Quando tivermos de explicar que as próprias ciências são factos sociológicos, o leitor deverá reter este exemplo duma mesma ideia descoberta ao mesmo tempo por diferentes caminhos, a mudança das sociedades ocidentais, e um certo regime dos trabalhos industriais, e também dos trabalhos intelectuais, tendo levado à maturidade uma concepção até aí profundamente escondida. Limitemo-nos a dizer agora, pela nossa própria série, que a última das ciências, a mais complexa, aquela que depende de todas as outras, é também aquela de que depende a solução do problema humano.  É tão vão procurar uma moral antes de ter estudado segundo o método da situação humana, como o é abordar a sociologia sem uma preparação biológica suficiente, ou a biologia sem a preparação físico-química que depende ela mesma evidentemente dos estudos astronómicos e matemáticos. Toda a cultura científica é enciclopédica; isso esclarece de novo a própria pesquisa, e também a educação.

Talvez o leitor tenha agora a ideia, segundo a importância, o peso e a dificuldade do termo final, de que a filosofia positiva está muito longe de se satisfazer com abstracções, que são aos seus olhos, pelo contrário, tão-só preliminares. Esta visão de conjunto não vai deixar de corrigir a partir de agora o que o espírito científico, entregue às especialidades, mostra agora de insuficiência e algumas vezes de enfatuação. Depois da indispensável reforma que deveria retirar e retirará inevitavelmente a direcção dos estudos aos literatos e aos eruditos, é preciso agora julgar os próprios sábios, e sobretudo os mais seguros no seu domínio, que não tiranizam menos. A nossa adolescência encontra-se como que dilacerada entre os matemáticos e os historiadores, segundo uma sumária oposição entre o espírito de geometria  e o espírito de finura. Mas mais uma vez a inspecção da nossa série das ciências vai reduzir os conflitos à ordem de razão.

De que cada ciência depende da precedente, e de que precedente fornece naturalmente à seguinte as primeiras hipóteses, que são verdadeiramente instrumentos,  não se deve concluir que a primeira das ciências seja a mais eminente de todas, como os orgulhosos especialistas se-lo persuadem. A primeira das ciências, entendei aquela por que é preciso começar, é também a mais abstracta de todas, digamos mesmo a mais vazia e a mais pobre se a tomarmos como fim. Considerando a nossa série, matemática, astronomia, física, química, biologia, sociologia, julgar-se-á que a ciência que segue é sempre mais rica, mais fecunda, mais próxima do problema humano; por isso ela é sempre caracterizada pelas leis que lhe são próprias e que as ciências precedentes não teriam podido adivinhar. Na verdade, é sempre pela sua insuficiência, mas muito precisamente determinada, que as hipóteses devidas à ciência precedente fazem aparecer as verdades próprias da ciência que a segue. Esta observação é de natureza a terminar todos os debates sobre o valor das ideias. Mas o império da ciência precedente, mais segura, e primeiro a única segura, ilude sempre; por exemplo, a equação dá forma à física, a balança rege a química, a energética domina a biologia, e a biologia condiciona a verdadeira sociologia. Todavia, é de bom senso que a pretensão de deduzir o concreto do abstracto, ou com mais nuanças, de reduzir a ciência que segue a ser apenas uma província daquela que precede, vai contra a regra suprema dos nossos conhecimentos, segundo a qual a experiência é a única fonte das verdades, sem nenhuma excepção. E esta chamada à modéstia faz aparecer na sua verdadeira luz uma ideia em todos os tempos proposta e repudiada; os filósofos encontrarão aqui, pode-se dizê-lo, a solução duma das dificuldades que os ocupam sem que eles possam alguma vez avançar um passo. Seguindo o luminoso comentário de Comte, nós chamaremos materialismo a essa tendência, que  a verdadeira cultura enciclopédica  corrige, para reduzir cada ciência à precedente, o que é apenas idolatria da forma abstracta, e o instrumento tomado pelo objecto. Esta ideia surpreende ao princípio, mas imediatamente esclarece. Por pouco que se preste atenção à própria definição da matéria, que é sempre abstracta e sem corpo, compreender-se-á que a palavra Materialismo não caracteriza menos bem a disposição para reduzir a mecânica à matemática, do que a tendência, mais facilmente julgada,  para subordinar sem reservas a sociologia à biologia até a reduzir todas as leis sociais dizendo respeito mesmo à religião e à moral a condições de reprodução, de alimentação e de adaptação ao clima, aberração conhecida agora sob o nome de materialismo histórico. Comte não pôde prever esta maneira de dizer, hoje popular,  e que a renovação ousada duma das noções mais disputadas verifica plenamente. Todavia o leitor não aceitará sem resistência que o matemático esteja disposto pelos seus estudos mesmos ao mais puro materialismo, e que nele se deixe  deslizar facilmente. É notável,  mas é de princípio incompreensível, que o idealismo e o materialismo, esses dois contrários, passem subitamente de um para o outro; por um lado, porque o materialismo só encontra para pensar uma simplificação ousada e um mundo todo o abstracto tal qual o homem o fabricaria segundo o modelo das suas máquinas, o que é supor que as nossas ideias mais simples são o estofo do mundo; e por outro lado porque o matemático só apreende as relações exteriores, e se encontra para sempre separado do que dá valor à existência, desde que crê  demasiado em si. A história dos sistemas é como que iluminada por observações deste género. Mas, como é preciso alguma preparação para as compreender bem, considerar-se-á frutuosa uma outra usurpação e uma outra tirania, que quer submeter absolutamente a biologia à química; a ideia popular do materialismo concordará aqui facilmente com o paradoxo positivista. E eu insisti um pouco sobre isso para fazer perceber, ou pelo menos entrever, o preço duma série bem ordenada. O desenvolvimento seria sem fim.

A este propósito, quero esboçar ainda a noção duma lógica real, noção nova, e que deve modificar profundamente as doutrinas da escola. O espírito humano conhece muito mal a sua própria acção, e não devemos surpreender-nos com isso, uma vez que a extrema contracção do espírito exclui todo o olhar complacente do pensador sobre si mesmo; e que, assim, aqueles que pensam melhor são também os menos dispostos a pensar o pensamento. É somente na história humana que o espírito se conhece. E, por exemplo, revela-se, pelo desenvolvimento tardio das ciências mais concretas, que os diversos procedimentos da lógica foram aprendidos sucessivamente, cada uma das ciências fundamentais despertando e exercendo no homem um modo de pensar que responde à natureza mesma das questões postas; donde se vê como um espírito se forma segundo a ordem enciclopédica. É assim que o matemático nos ensina o raciocínio, a astronomia, a arte de observar, a física, as astúcias da experimentação, a química, a arte de classificar, a biologia, o método comparativo, e a sociologia, o espírito de conjunto. Compreende-se facilmente que o espírito de observação corrompe o raciocínio quando as dificuldades do cálculo não impuseram ao investigador um severo exercício prévio. E também a arte de experimentar, se nela nos precipitarmos, extenuará a observação pura, que apenas a astronomia nos podia ensinar. Quanto às outras relações, e sobretudo à última, segundo a qual a sociologia, por um retorno de reflexão, deve regular finalmente todas as outras ciências por uma espécie de juízo final, encontram-se dificuldades que não se vencerão sem esforço, e diante das quais um resumo é necessariamente insuficiente. O próprio Comte não escapou, nos seus resumos, à tentação de traçar caminhos fáceis, e demasiado fáceis, o que é persuadir em vez de instruir. Daí os equívocos, e sobretudo nos seus discípulos mais fiéis. É preciso seguir passo a passo as amplas lições do Curso de filosofia positiva; sem o que se acreditará saber o que é o Positivismo, e não  se lo-saberá de todo.


Alain
(Tradução de José Ames)