quarta-feira, 21 de março de 2012

O FILÓSOFO




Fica pouco por dizer da Filosofia, uma vez que este longo caminho que eu quis percorrer, demasiado depressa sem dúvida, é a própria filosofia. E a primeira coisa que é de notar, é que a filosofia não suprime nada do que ela supera. O que acaba de ser dito da religião poderá ajudar a compreendê-lo. A estética de Hegel é sem rival; mas porquê? Porque ela se precave de deslizar da ideia na arte à ideia da arte. Expressamente: “O artista deve abandonar essa pálida região a que vulgarmente se chama o ideal, para entrar no mundo real, e libertar o espírito.” A filosofia liberta também o espírito, mas duma outra maneira, que não se pode sequer dizer superior, pois que a perfeição da arte é a própria arte, e que o espírito especulativo não pode conduzir aí de modo nenhum. “Se o artista pensar à maneira do filósofo, produz então uma obra precisamente oposta à da arte.” Mas eis que aparece  o preço da ordem, e o sentido desta ampla dialéctica. Não se pode dizer que, se não houvesse filosofia não haveria arte; mas em contrapartida deve-se dizer que se não houvesse arte não haveria filosofia nenhuma. Este mesmo pensamento pertence à filosofia. Remontando ainda a cadeia das mediações, poder-se-ia dizer também que a política não supõe a filosofia, e que em contrapartida a filosofia supõe a política; e isso mesmo não é a política que o sabe, é a filosofia que o sabe. A filosofia sabe-se pois ela própria como uma história; quer dizer que ela não pode, nem quer separar-se dessa sequência real em que se sobrepõem os Estados, as Artes, e as Religiões; é redizer que a filosofia não é uma lógica, e que a sequência real das doutrinas, complicada como é para toda a história humana que a sustenta, é a própria filosofia. Cada doutrina é um momento duma dialéctica real; cada doutrina é verdadeira ao seu nível; e essa dialéctica é verdadeira pela sua implicação na dialéctica religiosa, estética, política, biológica, que forma a indivisível história do espírito. A ideia marxista encontra-se agora esclarecida como é preciso, sendo, se assim se pode dizer, o exemplo dela mesma. Lede agora o texto Aristotélico, que piedosamente fecha a Enciclopédia: podereis entrever como se realiza, no Hegelianismo, a dupla ideia do pensamento como pensamento do pensamento, e de Deus como vivo eterno.


Alain
(Tradução de José Ames)

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